quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O pior sentimento

Desde que eu fiz o texto sobre o melhor sentimento do mundo, várias pessoas me questionaram qual seria o pior sentimento do mundo. Não soube responder. E desde então sofro de um certo sadomasoquismo em busca de uma resposta. Certamente ele já tinha passado por mim, mas felizmente não tão profundamente a ponto de deixar marcas indeléveis. Não a ponto de conhecê-lo tão intimamente, não a ponto de lhe conferir títulos e honrarias. Comecei a saga pelo pior sentimento do mundo. Não o achando em mim, fui estudar, ler, procurar em outros, vasculhar. Achei diversas teorias e divagações. Eis aqui a minha conclusão. Logo quando crianças nos apresentam o pior sentimento do mundo como o ódio.

Mas isso é uma mera lição ilustrativa, didática, de que não é legal socar o coleguinha quando ele te faz sentir aquele vulcão interno. É só crescer um pouco, um pouco mesmo, não precisa muito, para concluirmos que o ódio é primo, quiçá irmão, do amor. Só é capaz de nos fazer sentir ódio quem já nos fez sentir muitos outros sentimentos incríveis e intensos como o tal.

E sentimento tão tempestuoso e sublimar não pode ser considerado o pior em qualquer categoria. Sendo assim deixemos o ódio na infância, quando nossas mães dizem com voz reprovativa: “é feio odiar alguém, não fale assim”. Balela. Odiar carrega uma conotação tão infantil que soa como birra. Claro que deve sempre ser evitado, e em dose cavalares causa estragos.

Longe de mim fazer apologia ao ódio, mas é um sentimento legítimo. Odiemos e declaremos nas entrelinhas nossos amores e vontades. Passadas as lições maternais, tive contato com a discussão na oitava série, com a professora de ciências: Dona Rossana, assim com dois S. Em uma aula em que o tumulto era generalizado e ninguém queria muito saber sobre divisão celular, ela proferiu que sentia dó de nós, os alunos, e que dó era a pior coisa que se poderia sentir por alguém.

A sala continuou o caos, mas eu fiquei chocada. Fiquei com aquilo por muito tempo na cabeça, no alto dos meus 13, 14 anos. Tomei aquela verdade pra mim e tinha a convicção que dó era realmente um sentimento medíocre. Era inferiorizar o outro ao seu máximo. Reconhecer a plena derrota. Admitir que nada pode ser feito, não existe salvação, só se pode sentir dó. Fim do poço.

Segue raciocínio semelhante Nietzsche, que tem igual ojeriza por um sentimento parecido: a piedade. Diria Nietzsche que: “A piedade opõe-se completamente à lei da evolução, lei da seleção natural” ou então que “A humanidade aprendeu a chamar a piedade de virtude, quando em todo o sistema moral superior ela é considerada como uma fraqueza” e ainda que: “A piedade não assenta em máximas, mas em emoções: ela é patológica.

A dor dos outros contamina-nos. A piedade é contagiosa”. A piedade, bem como a dó, condiciona uma relação de superioridade e inferioridade que pode ser bastante destrutiva. Geralmente o é. No entanto, a dó e a piedade possuem uma peculiaridade. É um sentimento que, quando sentimos, não causa transtornos, apenas não queremos que sintam por nós. Então, quando conheci outro sentimento, oposto a esses dessa lista, resolvi destituí-lo. E confesso, não foi difícil fazê-lo quando aprendi sobre o amor. Foi simples passar a coroa de pior sentimento do mundo para a indiferença. Como dói. Dói um bocado. Para muitos este é realmente o pior sentimento do mundo: a indiferença. A indiferença é nada. Nem tem como defini-la, nem falar muito sobre ela de tanto vazio que carrega.

Não há dor que corroa mais que a indiferença de alguém que a gente ama. A indiferença de um amor, ou qualquer sentimento, faz com que sintamos uma autopiedade, é a dó de si mesmo e elevada ao cubo, porque sempre somos generosos com nós mesmos, o que transforma tudo em um oceano de lamentações, sofrimentos e caos. Nossas camas que o digam. Parece o fim do mundo. Por vezes é e precisamos recomeçar do zero. Terrível. Aos 16, 17 anos quando tudo é dramático e definitivo demais eu achava que finalmente tinha um vencedor para pior sentimento do mundo.

A falta de reciprocidade é angustiante, torturante, cruel. A indiferença reinava. Até que a reciprocidade veio mansa e sorrateira e me cutucou no ombro para dizer que não era tão ruim assim aquela tal indiferença. E eu passava a ser indiferente com quem era comigo. E não é que era bom? Como posso querer o pior sentimento do mundo em mim? Não parece coerente. Ser indiferente é saudável e necessário em algumas situações. O desapego é crucial em determinados momentos. Para que a vida ande, para que novas possibilidades apareçam, para que o passado fique e o futuro venha.

O poeta e cronista Fabrício Carpinejar, na crônica “Depois de muito amor” – nome sugestivo - cita o desprezo como um sentimento repugnante. “O desprezo é um ódio morto. É quando o ódio não é mais correspondido. Não significa que se aceitou o passado, que se tolera o futuro; é uma desistência. Uma espécie de serenidade da indiferença. Não desencadeia retaliação, não se tem mais vontade de reclamar, não se tem mais gana para ofender. Supera a ideia de fim, é a abolição do início.” Há quem não consiga de forma alguma viver com ele. Mas eu passei a respeitá-lo sobremaneira. Tive apenas que aprender a conviver com seus resquícios.

A mágoa, o arrependimento, a raiva. Poderiam ser estes todos então o pior sentimento do mundo. Um combo do que não desejamos sentir. Pacote completo. Satisfação do início ao fim. A maturidade nos ensina que não precisa ser assim e por mais que tenhamos momentaneamente esses sentimentos latentes em nós, é uma opção nossa alimentá-los ou eliminá-los. Diria Drummond que a dor é inevitável, o sofrimento opcional.

Já Shakespeare nos aconselhou brilhantemente: "Não se entristeça com a ignorância das pessoas, não perca sua serenidade. A raiva faz mal à saúde, o rancor estraga o fígado, a mágoa envenena o coração. Domine suas reações emotivas, seja dono de si mesmo, não jogue lenha no fogo de seu aborrecimento e nem perca a calma. Pense, antes de falar, e não ceda à sua impulsividade.

Guardar ressentimentos é como tomar veneno e esperar que outra pessoa morra.” O pior sentimento do mundo não pode ser fraco a ponto de ficar a mercê do nosso controle, das nossas vontades. São sentimentos inevitáveis, mas efêmeros quando aprendemos que eles podem ser, dependendo de como os tratamos, como amigos íntimos ou meros visitantes ocasionais. Fiquei perdida e carente de um pior sentimento do mundo. Muda quando me perguntavam. Até que, o danado resolveu dar as caras.

Quando eu menos esperava, da forma mais inusitada. E eu até ri quando dei por conta que ele estava instalado em mim há um bom tempo. Como eu não tinha percebido? Assim como o melhor sentimento do mundo, o pior é mero coadjvante nessa lista de grandes atores que moldam nossos dias. Ele aparece de vez em quando, faz uma grande cena e se esconde nas coxias. Com vocês, o pior sentimento do mundo: a culpa. Vaias. O oposto do alívio. Era tão simples e eu complicando. Essa é danada. Não há quem alivie. Não há quem cure. A culpa de não dizer o que deveria ter sido dito para salvar uma relação, um amor, uma vida. A culpa de prejudicar, ferir, matar alguém. A culpa de não dar o melhor de si. A culpa de não cumprir promessas. A culpa de se deixar levar por pessoas e sentimentos ruins. A culpa de fugir da sua essência, de abandonar valores. A culpa de enganar, de mentir, de iludir. A culpa não se externa, nem se compartilha. É intrínseca, silenciosa e corrosiva. É algo que sentimos porque erramos. É particular.

Ninguém sente por você e ninguém te faz sentir, o que dá a ela um caráter único. A culpa é um sentimento de responsabilidade nossa. É ter que conviver com o pior de nós. Pesa e dificilmente passa. Vem de mãos dadas com a impotência, que nos dilacera. É o não poder fazer mais nada pra mudar. É mancha em história bonita. É mãos atadas e coração quebrado. O pior sentimento do mundo.

(E para você? Qual o pior sentimento do mundo?) Fabi Mariano
Imagens: google.com


Nenhum comentário:

Postar um comentário