domingo, 12 de fevereiro de 2012

A verdade inata

A prática do mantra e da paramita,a instrução em sutras e preceitos, o ensino das escolas e das escrituras, não levarão à percepção da Verdade Inata. Porque, se a mente, quando tomada por algum desejo, procura encontrar um objetivo, apenas oculta a Luz.

Aquele que observa os preceitos tântricos, ainda discrimina, trai o espírito de samaya. Cessa toda atividade, abandona todos os desejos, deixa que os pensamentos subam e desçam, Coisa que eles farão, como ondas no oceano.

Aquele que nunca prejudica o não-perdurável, nem o princípio da não-distinção, defende os preceitos tântricos.
O que abandona o desejo insaciável e não se prende a isto, nem àquilo percebe o significado real dado nas escrituras.

A atitude tântrica é o próprio ser de Tilopa. Deves entender, antes de mais nada, o que vem a ser atitude tântrica e, só então, te será possível entender o que Tilopa tenta comunicar.

Portanto, algo sobre a atitude tântrica. A primeira coisa: não se trata de uma atitude, porque Tantra vê a vida com visão total. Não é uma atitude para ver a vida. Não possui conceitos, não é uma filosofia. Não é, sequer, uma religião, não tem teologia. Não acredita em palavras, em teorias, em doutrinas. Quer ver a vida sem filosofia, sem qualquer teoria, sem qualquer teologia. Quer ver a vida como ela é, sem colocar a mente de permeio, porque isso causaria distorção. A mente projeta, a mente mescla, e, então, já não podes distinguir aquilo que é.

Tantra evita a mente e encara a vida face a face, jamais pensando: “isto é bom”, ou “isto é mau”; porém, e simplesmente, encarando-a como ela é. Por isso é difícil dizer que Tantra é uma atitude - na verdade, é uma não-atitude.

A segunda coisa a lembrar é que o Tantra é um grande repetidor do “sim”; diz “sim” a tudo. Nada há que se pareça com o “não” em seu vocabulário; nada que seja negação. Nunca diz “não” a coisa alguma, porque com o “não” se inicia a luta, com o “não” tu te tornas o ego. No momento em que dizes “não” a qualquer coisa, tornas-te já o ego. Um conflito surgiu e, agora, estás em guerra.

Tantra ama, e ama incondicionalmente. Nunca diz “não” a nada, seja o que for, porque tudo faz parte do todo e tudo tem seu lugar próprio no Todo; e o Todo só poderá existir quando nada lhe falte.

Se maltratas uma flor, maltratastes milhões de estrelas - Porque tudo é inter-relacionado.

O Todo existe como um todo, um todo orgânico. O Todo não existe como algo mecânico - tudo está relacionado com tudo o mais.

Dessa forma, Tantra diz “sim” incondicionalmente. Nunca houve qualquer outra visão da vida que dissesse “sim”, incondicionalmente - simplesmente “sim”, o “não” desaparecendo de teu próprio ser. Quando não existe o “não” como podes lutar? Como podes estar em guerra? Flutuas, simplesmente. Simplesmente dissolve-te, desmanchas-te. Tornas-te um. Já não existem fronteiras. O “não” cria fronteiras. O “não” é a fronteira em torno de ti. Sempre que disseres “não”, observa: imediatamente algo se fecha. Sempre que dizes “sim”, teu ser se abre.

O verdadeiro ateu é aquele que está sempre dizendo “não” à vida. O fato de ele dizer “não” a Deus é apenas simbólico. Podes acreditar em Deus, mas, se dizes “não” seja ao que for, tua crença não tem valor, teu Deus é uma farsa, porque só o “sim” total cria um Deus verdadeiro, revela o verdadeiro Deus. Quando dizes um “sim” total à existência, toda ela subitamente se transforma. Então, não há mais pedras, não há mais árvores, não há mais pessoas, rios, montanhas - subitamente tudo se torna um e essa unidade é Deus.

O verdadeiro teísta é o que diz “sim” a tudo, e não só a Deus, porque a mente é muito engenhosa. Podes dizer “sim” a Deus e “não” ao mundo. Isso tem acontecido. Milhões de pessoas perderam toda a sua vida por causa disso.

Dizem “sim” a Deus e dizem “não” à vida. Na verdade, pensam que, a menos que se diga “não” à vida, é impossível dizer “sim” a Deus. Criaram a divisão: negam o mundo para aceitar Deus. Mas a aceitação que se apóia na negação não é, absolutamente, uma aceitação. É falsa. É uma simulação.

Como podes aceitar o Criador sem aceitar a criação? Se dizes “não” à criação, como podes dizer “sim” ao Criador? Ambos são um. O Criador e a criação não representam duas coisas: o Criador é a criação. Na verdade, não há divisão entre o Criador e a criação, trata-se de um processo contínuo de criatividade. Um pólo da criatividade parece-se ao Criador e o outro pólo da criatividade parece-se à criação - mas ambos são pólos do mesmo fenômeno.

Tantra diz que, se dizes “sim”, simplesmente dizes “sim”: não o dizer em oposição a algum “não”. Mas todas as religiões fizeram isso: disseram “não” ao mundo e “sim” a Deus. E disseram “não ao mundo, energicamente, de forma que seu “sim” pudessse tornar-se mais forte. Muitos dos chamados “santos” disseram isto: “Deus, nós Te aceitamos, mas não aceitamos o Teu mundo.” Mas que tipo de aceitação é essa? Isso é aceitação? Estão escolhendo. Estão retalhando a existência em dois pedaços. Estão se colocando acima de Deus. Dizem: “Isto que eu aceito, isto eu renego.” Toda renúncia vem disso.

Quem pronuncia não é pessoa religiosa. Segundo Tantra, quem renuncia é um egoísta. Primeiro esteve acumulando coisas do mundo, e sua atenção estava no mundo. Agora, renuncia, mas sua atenção ainda está voltada para o mundo e ela permanece egoísta. O que tem formas sutis de contentar a si próprio e retorna, muitas e muitas vezes, em espiral. Repetidamente ele retorna - com uma face nova, sob novas cores.

Isso aconteceu: eu estava em minha aldeia e Mulla Nasrudin veio visitar-me. Naquele tempo ele vivia em Nova Delhi, a capital, e estava tão entusiasmada que chegava a parecer cego. Levei-o ao pequeno forte da minha aldeia, e ele disse - “Quê! Tu chamas a isto um forte? Devias ir a Nova Delhi e ver o Forte Vermelho. Isto não é nada” Levei-o ao rio, e ele disse: - “Quê! Tu chamas a isto um rio? Nunca na minha vida vi rio mais nojento, mais mesquinho.” E o mesmo aconteceu m toda parte.

Então, veio a noite da lua cheia e eu pensei que, pelo menos, ao ver a lua cheia ele se sentiria feliz e não traria à conversa aquela pequena aldeia. Mas eu estava errado. Levei-o ao rio; a noite era bela e silenciosa. A lua surgiu, muito grande, simplesmente maravilhosa. Olhei para Nasrudin e disse: - “Olha! Que enorme lua!”

Ele olhou para a lua, encolheu os ombros, e disse: - “Não é má de todo, para uma aldeiazinha como esta.”

Assim é a mente: persiste, ressurge em espirais - sempre e sempre a mesma coisa. Podes renunciar ao mundo, mas não te tornarás de outro mundo. Permanecerás mundano. E, se quiseres verificar isto, procura os monges da Índia, os sadhus: eles permanecem mundanos, enraizados no mundo. Renunciaram a tudo, mas seu foco está no mundo, seu foco está na renúncia, centralizado no ego, orientado pelo ego. Podem estar pensando que, ao renunciar, aproximam-se de Deus - não. Ninguém jamais alcançou o Divino por dizer “não” ao que quer que seja.

Essa é a visão do Tantra. Tantra diz: “Dize ‘sim’. Dize ‘sim’ a tudo. Não precisas lutar, não precisas nem mesmo nadar - flutua simplesmente, ao sabor da corrente. O rio segue por si mesmo por sua própria vontade, e tudo alcança o oceano definitivo. Não cries qualquer perturbação, não empurre o rio; segue-o, simplesmente.” Ir, flutuar, relaxar com ele - assim diz Tantra.

Se podes dizer “sim”, uma profunda aceitação acontece em ti. Se dizes “sim”, como podes te queixar? Como podes ser infeliz? Então, tudo é como deveria ser. Não estás lutando, não estás negando - aceitas, apenas. E, lembra-te, essa aceitação difere da aceitação comum.

Habitualmente, uma pessoa aceita determinada situação quando se sente impossibilitada de fazer outra coisa, porém essa é a aceitação da impotência. Não te levará a parte alguma; a impotência não pode te levar a parte alguma. Uma pessoa aceita uma situação quando se sente perdida: “Nada pode ser feito, portanto, que fazer? Pelo menos aceitar, para salvar a dignidade.” A aceitação tântrica não é desse tipo. Ela vem de uma super-realização, vem de um profundo contentamento - não vem da sensação de estar perdido, da frustração, do desamparo. Vem quando não se diz “não”; surge inesperadamente. Todo o teu ser se toma de um profundo contentamento.

Essa aceitação possui uma beleza própria. Não é forçada, nada praticaste para obtê-la. Se a forçares, ela será falsa, será uma hipocrisia. Se a forçares, ficarás dividido em dois: por fora aceitarás, mas no fundo estarás fervendo, pronto a explodir a qualquer momento. Apenas superficialmente fingirás que tudo está bem.

A aceitação tântrica é total, não se divide. Todas as religiões do mundo, exceto Tantra, criaram personalidades divididas. Todas as religiões do mundo, exceto Tantra, criaram esquizofrenia. Elas te dividem. Fazem em ti algo mau e algo bom. E dizem que o bem deve ser alcançado e o mal renegado; o Diabo tem de ser negado e Deus tem de ser aceito. Criam em ti a divisão e a luta. Então, tu te sentes constantemente culpado, porque como podes destruir aquilo que a ti está ligado organicamente? Podes chamar a isso o mal, podes dar-lhe os nomes que quiseres, que não fará nenhuma diferença. Pois não podes destruir algo que não criaste, algo que encontraste, que te foi dado. A cólera existe, o sexo existe, a ambição existe - tu não os criaste, eles são fatos da vida, que te foram dados tal como teus olhos ou tuas mãos. Podes dar-lhes nomes, podes dizer que são feios ou belos, ou o que quer que seja, mas não podes destruí-los.

Nada pode ser eliminado e retirado da existência, nada pode ser destruído.

Tantra diz que uma transformação é possível, mas a destruição nunca. A transformação vem quando aceitas teu ser total. Então, e de súbito, tudo entra em ordem, tudo toma seu próprio lugar. A cólera é absorvida, a ambição também é absorvida. Assim, sem que tentes o retalhamento de teu ser, todo esse teu ser se recompõe. Se aceitas e dizes “sim”, acontece uma recomposição, e onde antes havia rumor, clamor interno, nasce música, melodia, harmonia.

Entre o rumor e a harmonia, qual é a diferença? São as mesmas ondas sonoras, arranjadas de uma ou outra forma. Mas no rumor não há um núcleo, um centro. Se um louco toca piano as notas são as mesmas, os sons são os mesmos, mas não existe um centro que os organize. Tu podes dar um centro ao rumor, tudo se tornará orgânico e ele se transformará em música. Se um louco toca piano, um ajuntamento de notas, separadas e individuais é o que é emitido, não uma melodia. Mas quando um músico toca o mesmo piano, com os mesmos dedos, ocorre uma mutação alquímica: agora, as mesmas notas entram num esquema, alcançam uma unidade orgânica, encontram um centro; já não são um ajuntamento, são uma família. Um amor sutil as reúne - agora são uma só coisa. E nisso está toda a arte: trazer as notas para um fenômeno amoroso, de forma que elas se tornem harmoniosas.

Tantra diz que, tal como és agora, és rumos. Nada há de errado nisso - tu, simplesmente, não tens um centro. Desde que tenhas um centro, tudo entra na ordem e tudo se torna belo.

Quando Gurdjieff se zanga, isso é belo. Quando te zangas, isso é feio. A cólera não é feia nem bonita. Quando Jesus se encoleriza, é pura música - mesmo a cólera. Quando Jesus toma de um chicote e expulsa os vendilhões do templo, há nesse gesto uma sutil beleza. Até mesmo Buda carece dessa beleza, Buda parece unilateral; nada dele permite entrever a presença da cólera. A tensão da cólera, o sal da cólera não existem nele. Buda não tem o mesmo bom sabor que Jesus. Jesus tem algum sal, pode até zangar-se. Mesmo sua cólera tornou-se parte de seu ser total; nada foi negado, tudo foi aceito.

Mas Tilopa é incomparável. Jesus nada é... Os Mestres tântricos são simplesmente flores selvagens, há de tudo neles. Tu devias ver os retratos de Bodidarma. Se não os viste, olha - é tão feroz o semblante de Bodidarma que, se meditares sobre o que viste à noite e a sós, não poderás dormir, pois ele te obcecará. Dizem dele que, pelo simples fato de olhar para alguém, faz com que esse alguém passe a ter contínuos pesadelos. Seu olhar era feroz, obcecava a quem os visse. Contam que, quando Bodidarma ou Tilopa falavam, sua fala era como o rugido de um leão, como uma nuvem trovejante, como uma formidável cascata, selvagem e ardente.

Se, entretanto, esperares um pouco, sem julgá-los com demasiada rapidez, encontrará neles o mais amoroso dos corações. Sentirás, então, a música, a melodia que existe neles. E, de súbito, compreenderás que eles nada negaram, que absorveram tudo, mesmo a ferocidade. Um leão é belo, até sua ferocidade possui uma beleza própria. Se tirares a ferocidade de um leão, então ele passará a ser um leão empalhado, morto.

Tantra diz que tudo tem de ser absorvido, tudo! Lembra-te, sem qualquer condição. O sexo tem de ser absorvido, para que se torne uma força tremenda, em ti. Um Buda, um Tilopa, um Jesus possuem uma grande força magnética em torno deles - e que é isso? Sexo absorvido. O sexo é magnetismo humano. Subitamente, tu tombas no amor deles. Basta que cruzes o seu caminho para seres levado a um mundo inteiramente diferente. És arrancado de teu velho mundo e levado para algo novo, algo com que jamais pudeste sonhar. Que força é essa? É a mesma energia, sexo, que se transformou: agora é magnetismo, é carisma. Buda tem a cólera absorvida e a própria cólera transformou-se em compaixão. E, quando Jesus toma o chicote nas mãos, o faz também movido pela compaixão. Quando Jesus fala, tomado de ardor, é a mesma compaixão que se faz presente.

Lembra-te disto: Tilopa aceita-te em tua totalidade. Quando vens ter comigo, eu te aceito em tua totalidade. Não estou aqui para te ajudar a negar coisa alguma. Estou aqui para te ajudar a recompor, a alcançar o centro de todas as tuas energias, a convergi-las para um centro. E digo-te que serás mais rico se tiveres a cólera absorvida, serás mais rico se tiveres o sexo absorvido, serás mais rico se tiveres o ódio e o ciúme absorvidos - eles são os temperos da vida e precisas experimentá-los. Não te tornarás sem sabor, terás um sabor próprio. Precisas de um pouco de sal. E a cólera vem na medida exata que é necessária. Quando ela te domina, torna-se feita. Se comeres apenas sal, morrerás. O sal, em determinada proporção, é uma necessidade, é absolutamente necessário. Lembra-te disto.

No caminho encontrarás muitas pessoas que gostariam de te incapacitar, cortar e dividir. Dirão: - “Essa mão é má, corta-a! Esse olho é mau, atira-o fora! A cólera é má, o ódio é mau, o sexo é mau.” Continuarão a cortar-te e, quando te deixarem, estarás simplesmente paralisado, aleijado. Não te deixarão com vida. Isso mostra como toda a civilização tornou-se paralisada, aleijada.

A menos que Tantra se torne o alicerce de toda a mente humana, o homem não será completo - porque nenhuma outra visão aceita o homem em sua totalidade. Mas a aceitação, lembra-te novamente, vem do transbordamento; não é nascida da impotência.

Uma pessoa vive a sua vida, vai através dela: cada nuance tem de ser vivida, cada gosto tem de ser provado. Mesmo a perambulação, mesmo o estar extraviado têm significação, porque se nunca te extraviares não alcançarás uma iluminação enriquecida, nunca serás simples. Poderás ser um simplório, mas nunca serás simples - e um simplório não é um simples.

A simplicidade precisa apoiar-se em uma experiência profunda e complexa. Um simplório é simplesmente alguém sem qualquer experiência. Pode ser um tolo, mas jamais será um sábio. Um sábio é aquele que viveu todos os pecados da vida, que nada negou, que a nada chamou pecado, que simplesmente aceitou o que quer que acontecesse e que permitiu que isso acontecesse, que se movimentou com cada onda, que derivou, que se extraviou, que caiu nas profundezas do inferno.

Nietzsche diz, algures: - “Se uma árvore quiser alcançar o céu, suas raízes precisam aprofundar-se até o mais profundo inferno.” Ele tem razão. Se quiseres um florescimento verdadeiro no céu, tuas raízes precisarão ir ao mais profundo inferno da terra.

Quando um pescador torna-se um sábio, este sábio tem uma beleza própria. Quando um sábio é simplesmente um sábio, sem se ter tornado um pecador, não passa de um simplório, deixou passar a vida. E não há virtude que se erga sem que tivesse havido uma perambulação, um estado de extravio.

Há uma bela parábola em que Jesus diz: “Um pai tinha dois filhos. O mais novo pediu sua herança, levou-a consigo, desperdiçou-a na cidade com vinho e mulheres e tornou-se um mendigo. O outro filho permaneceu com o pai, trabalhou duramente na fazenda e acumulou grande fortuna. Um dia, o filho mendigo, o filho que havia se extraviado, veio a seu pai e disse: - ‘Estou de volta, fui um tolo, desperdicei teu dinheiro. Perdoa-me. Agora não tenho para onde ir, aceita-me, estou de volta.’ E o pai disse aos servos: - ‘Celebremos esta ocasião; mata-se a ovelha mais gorda, façam-se muitas e deliciosas comidas, distribuam-se doces por toda a cidade, procurem para meu filho o mais velho dos vinhos. Vamos ter uma festa: meu filho se extraviou e agora está voltando para casa.’

Algumas pessoas da aldeia foram à fazenda e disseram ao outro filho: - ‘Vê que injustiça! Tu tens estado com teu pai, prestando-lhe auxílio como se fosses um dos servos, jamais te extraviaste, jamais fizeste coisa alguma contra ele e, entretanto nunca foi feita uma festa em tua honra, jamais houve uma celebração dedicada a ti. E, agora, aquele vagabundo, aquele mendigo, que desperdiçou o dinheiro de teu pai e que viveu em pecado, está de volta. E vê que injustiça - teu pai está fazendo disso uma celebração. Vai à cidade! Estão distribuindo doces, uma grande festa está sendo preparada.’

Como é natural, o filho mais velho ficou muito zangado. Voltou à casa muito triste e disse ao pai: - ‘Que tipo de justiça é essa? Tu jamais mataste uma ovelha por mim, nunca me deste qualquer presente. E, agora, aquele teu filho está de volta, ele, que desperdiçou teu dinheiro, o dinheiro que tu lhe deste; e o desperdiçou em coisas erradas - e tu estás celebrando a sua volta!’

O pai disse: ‘Sim, porque tu estiveste sempre comigo, e, portanto, nunca houve essa necessidade. Mas a volta dele precisa ser comemorada: ele se extraviou, era a ovelha desgarrada, e foi de novo encontrado.’ ”

Essa história não foi tomada em toda a sua significação pelos cristãos. Na verdade, ela diz o que eu te estou dizendo, o que Tantra quer dizer. É uma história tântrica. Ela significa que, se ficares sempre no caminho certo, não serás celebrado pela Existência. Serás um simplório, não terás enriquecido a tua vida. Não haverá sal em ti: podes ser nutritivo, mas não tens temperos. Poderás ser muito simples e bom, mas tua bondade não terá, em si mesma, uma harmonia complexa. Serás uma nota apenas, não milhões de notas formando uma melodia. Serás uma linha reta, sem curvas nem cantos. Essas curvas e cantos dão beleza, tornam a vida mais misteriosa, oferecem profundidade. Serás raso em tua santidade; não haverá profundidade em ti.

Por isso é que Tantra diz que tudo é belo. Mesmo o pecado é belo, porque o pecado dá profundeza à tua santidade. Mesmo o extravio é belo, porque, voltando, a pessoa se torna mais enriquecida. Precisas deste mundo para te moveres nele, profundamente, de forma a esqueceres por completo de ti próprio - e então voltarás.

As pessoas perguntam: - “Por que existe este mundo, se Deus é contra ele? Por que Ele nos atira ao mundo, ao mundo dos carmas, dos pecados, dos erros? Por que Ele nos atira? Ele pode, simplesmente, redimir-nos.” Isso não é possível. Assim serias raso, superficial. Tens de ser atirado ao mais remoto canto do mundo, para que possas voltar. Essa volta possui algo em si mesma - e esse algo é a cristalização do teu ser.

Tantra aceita tudo, vive tudo. Por isso é que Tantra nunca foi uma ideologia muito aceita. Permaneceu sempre uma ideologia marginalizada, algures, na fronteira, fora da sociedade, da civilização, porque a civilização preferiu ser superficial e dizer “não” a muitas coisas. A civilização não tem a coragem suficiente para aceitar tudo, para aceitar tudo quanto a vida oferece.

A maior coragem neste mundo é aceitar tudo quanto a vida nos dá. E é para que chegues a isso que estou tentando ajudar-te: para que aceites tudo quanto a vida te dá, com profunda humildade, como uma dádiva. E quando digo isso refiro-me mesmo àquelas coisas que a sociedade te condicionou a considerar erradas e más. Aceita o sexo, e dele virá um florescimento. Uma brahmacharya virá; uma pureza, uma inocência virão; dele surgirá virgindade - mas como uma transcendência.

Através da experiência a criatura transcende.

Movendo-se pelas escuras vielas da vida, nossos olhos tornam-se treinados e começamos a ver luz mesmo na escuridão. Que beleza existe no poderes ver a luz quando é dia! Há beleza, também, quando se trata da mais escura das noites, e teus olhos estão de tal forma treinados para a escuridão, que podes ver o dia ali oculto.

Quando, na mais escura das noites, podes ver a manhã, então há beleza; então, tu alcançaste.

Quando no mais baixo podes ver o mais alto, quando mesmo no inferno podes criar um céu, então, te tornaste um artista da vida.

E Tantra quer fazer de ti um artista da vida - não negador, mas grande semeador do “sim”.

Aceita e aos poucos sentirás que quanto mais aceitares, menos desejo haverá. Como poderá haver desejo, se aceitares? Seja qual for a situação, aceita-a. Então, não haverá motivo para qualquer outra coisa. Vives essa situação momento a momento, com profunda aceitação, cresces sem que haja qualquer objeto, sem que haja qualquer desejo de ir a lugar algum, de ser alguma outra coisa ou alguma outra pessoa.

Tantra diz: - “Sê tu mesmo” - e esse é o único ser que podes alcançar. Com a aceitação, os desejos desaparecem. Com a aceitação, uma ausência de desejos vem por si mesma. Tu não a praticas, tu não a forças. Não eliminas teus desejos - pela tua aceitação é que eles desaparecem.

E quando, de súbito, chega um momento em que aceitas totalmente e que os desejos todos se foram, há uma inesperada Iluminação. De súbito, sem que nada tenhas feito, acontece. Essa é a maior dádiva que esta existência te pode oferecer.

Essa é a atitude tântrica diante da vida. Não há outra vida a não ser essa, e não há outro mundo a não ser este. Este próprio samsara é o nirvana. Tu só precisas ser um pouco mais compreensivo, mais tolerante, mais como as crianças, menos egoísta.


Agora, os sutras de Tilopa:

A prática do mantra e da paramita, a instrução em sutras e preceitos, o ensino das escolas e das escrituras não levam à percepção da Verdade Inata.

Os Vedas não nos serão úteis, nem a Bíblia. A prática do mantra pode não nos ajudar em nada, antes pode se tornar um obstáculo. Na verdade, que é um mantra? O que está o Iogue Maharishi Mahesh ensinando, quando ensina meditação transcendental? O que fazes quando repetes um mantra? O iogue diz para repetires uma certa palavra, ou um certo mantra continuamente, dentro de ti: Ram, Ram, Ram; AUM, AUM, AUM - qualquer coisa, mesmo teu próprio nome servirá. Mesmo que repitas H2O, H2O, H2O servirá - porque não se trata do som ou da palavra, trata-se de repetir continuamente; e pela própria repetição é que algo acontece. Que é isso?

Quando repetes uma certa palavra continuamente, cria-se um ritmo interior: Ram, Ram, Ram - um ritmo foi criado, um ritmo monótono. Sempre que repetes continuamente certa palavra, vem a monotonia. Repetir continuamente uma palavra é monótono e começas a sentir-te sonolento. Isso é o que faz a hipnose, isso é a auto-hipnose. Repetir um mantra é praticar a auto-hipnose. Vais ficando ébrio com teu próprio e monótono som ritmado.

Isso é bom! Nada de mau há nisso, pois podes ter um sono muito bom, muito revigorante. Se estás cansado, eis aí um bom estratagema mental que te deixa descansado, mesmo mais descansado do que podes sentir-te com o teu sono normal, porque o sono normal não pode ser tão profundo como o sono do mantra, já que nele os pensamentos continuam, os sonhos continuam e perturbam continuadamente. Mas, se repetes um certo mantra, sem cessar, nada mais pode estar ali, apenas o mantra. E ele te leva a um sono muito, muito profundo.

Em Ioga temos uma palavra especial para isso: em sânscrito o sono é chamado nidra, o sono criado por um mantra cantado é chamado tandra. O sono causado pela Ioga, pelo mantra cantado - um sono profundo, mas ainda sono - é chamado ioga-tandra.

Se teu sono é perturbado, a Meditação Transcendental pode ser útil. Por isso parece que a influência de Maharishi tem sido grande na América, o país mais perturbado no que se refere ao sono. São usados tantos tranqüilizantes, tantas pílulas para dormir são consumidas, que as pessoas perderam a capacidade natural para dormir - daí a influência da MT. Na Índia, ninguém faz caso da MT porque as pessoas já dormem tão profundamente que se torna difícil acordá-las.

O mantra te oferece um sono sutil e até aí ele é bom; mas não penses que isso é meditação, se não queres enganar-te. Não penses que isso é meditação, pois não passa de um tranqüilizante mental. E é tão químico como qualquer pílula sonífera, porque o som modifica a química do nosso corpo, o som é parte da química do nosso corpo. Por isso é que certo tipo de música faz com que te sintas muito repousado: a música desce sobre ti, limpa-te, como se tivesses tomado um banho. O som muda a química do nosso corpo. Há certos tipos de músicas que te fazem sentir muito apaixonado e sexual: seus sons batidos mudam a química do teu corpo.

O mantra cria música interior com uma só nota: a monotonia lhe é básica. Não há necessidade de fazer perguntas ao Iogue Maharishi Mahesh sobre isso - todas as mães deste mundo sabem a respeito. Quando quer que a criança se mostre inquieta, ela sussurra um acalanto - e um acalanto é um mantra: bastam duas ou três palavras, mesmo que nada queiram dizer, pois não há necessidade de significação. Ela senta-se ao lado da criança, ou toma a criança ao colo, junto de seu coração - as batidas do coração também são música monótona. Assim, quando a criança está inquieta, a mãe põe sua cabeça sobre o seu coração e a batida desse coração torna-se um mantra. E a criança é iludida e adormece. Ou, se a criança é um tanto mais crescida e não pode ser iludida facilmente, ela canta um acalanto - duas ou três palavras, palavras simples e monótonas, que vai repetindo. A monotonia ajuda e a criança adormece - não há nada de mau nisso. É um tranqüilizante melhor do que qualquer pílula química, mas ainda assim um tranqüilizante, uma sutil pílula de som que afeta a química do corpo.

Assim, se tens perturbações de sono, se sofres de um certo grau de insônia, um mantra é bom, mas não penses que a meditação é isso. Isso te fará mais ajustado, mas não te transformará. E toda a sociedade está sempre tentando fazer-te mais ajustado em relação a ela. Para fazer-te mais ajustado em relação a ela, lançou mão da religião, da moralidade, dos mantras, das iogas. Tem recorrido à psicanálise e a muitos tipos de psiquiatria para trazer-te de volta à sociedade ajustada. A meta principal da sociedade é conseguir uma forma de criar o indivíduo ajustado. Mas, se toda a sociedade está errada, ser ajustado a ela não pode ser bom. Se toda a sociedade é louca, estar ajustado a ela não significa outra coisa do que tornar-se igualmente louco.

Certa vez alguém perguntou a Sigmund Freud: - “Na verdade, o que o senhor pretende fazendo psicanálise e qual é o objetivo dela?” Ele, que era uma pessoa autêntica como raras o são, respondeu: - “O máximo que podemos fazer é isto: fazer pessoas histericamente infelizes tornarem-se normalmente infelizes; trazemo-las de volta a infelicidade normal, como a de toda a gente. Essas pessoas estavam indo muito longe, estavam criando infelicidade demais e se transformando em neuróticas. Nós as trazemos de volta à neurose normal da Humanidade.” - Continuou Freud: - “O homem jamais pode ser feliz. O homem só pode ser, ou neuroticamente infeliz, ou normalmente infeliz, mas nunca pode ser feliz.”

No que concerne ao comum da humanidade, seu diagnóstico está aparentemente correto, mas ele não tem conhecimento daquilo que é um Buda ou um Tilopa, ele nada sabe daqueles que alcançaram um estado de beatitude total do ser. Não poderia ser diferente, porque um Buda nunca iria tratar-se com Freud - para quê? Só pessoas histéricas procuram Freud, e ele as trata. E todo o seu conhecimento, toda a sua experiência, referem-se a pessoas histericamente neuróticas. Ele não conheceu uma só pessoa, em seus quarenta anos de experiência com pacientes, que fosse feliz. Assim, ele está certo, empiricamente certo. Sua experiência mostra que há apenas dois tipos de pessoas: as normalmente infelizes e as histericamente infelizes. O máximo que ele pode fazer é torná-las mais ajustadas.

Mantra, psicanálise, religião, moralidade, igrejas, orações, todas essas coisas foram usadas para te fazer mais ajustado. Mas a religião verdadeira tem início quando começas uma viagem de transformação: não para estares ajustado à sociedade, mas sim em harmonia com o cosmos. Ser ajustado com a sociedade implica em queda.

Muitas vezes acontece que um louco nada tem de errado, o louco tem, simplesmente, excesso de energia; por isso não consegue se ajustar à sociedade e aliena-se. Um louco é demasiadamente individualista, um louco é tão talentoso em certas coisas que não pode se ajustar facilmente à sociedade. Deves lembrar que todos os gênios sempre permanecem mal ajustados à sociedade e, de cem gênios, quase oitenta tiveram seu estágio de hospício. Isto porque vão além do que a sociedade permite.

A sociedade comum é como um peso de papéis sobre ti: não permite que voes. Um gênio atira fora o peso de papéis e gostaria de ser levado por suas asas até o mais afastado ponto do céu. Desde o momento em que vais para além da linha da sociedade, da fronteira, estás louco. E toda a sociedade tenta reajustar-te.

Tantra diz que o reajustamento ou ajustamento não são os objetivos, de nada valem - o objetivo é a transformação. Que fazer então? Não tentes estratagemas para fazer-te reajustado - e o mantra é um estratagema. Se sentes que não podes dormir, não procures encontrar o sono através de mantras. Pelo contrário, tenta saber qual é a inquietação que te está produzindo essa falta de sono. Podes estar desejando demais, podes ser excessivamente ambicioso. Tua ambição não te permite dormir, tua inquietação continua, tua mente desejosa se movimenta sem parar e o processo de pensamento prossegue. Por isso é que não podes dormir. Bem, há duas maneiras de consegui-lo. Uma através do mantra, outra através do Tantra.

Mantra diz: Não te preocupes com as causas, repete o mantra simplesmente e adormece. Isso é tão superficial: não te preocupes com as causas, repete o mantra, simplesmente - quinze minutos pela manhã e quinze minutos à noite - e poderás dormir. Irás sentir-te bem e saudável. Mas, ainda que te sintas bem e saudável, o que acontecerá contigo? Há muitas pessoas saudáveis que dormem lindamente, sem que nada tenha acontecido a elas - o florescimento definitivo não chegou. A saúde é um bem em si mesma, mas não pode ser o objetivo. Dormir é bom, mas não pode ser o objetivo. Tantra diz que procures a causa que te produz a inquietação.

Um ministro do governo da Índia costumava procurar-me. Estava sempre angustiado a propósito do seu sono e dizia: - “Dá-me alguma técnica que me faça dormir.” Mas eu lhe disse: - “Um político não pode dormir - isso não é possível. Um político não foi feito para dormir, não se espera que ele durma. E isso é bom; não vou te dar técnica alguma. Procura o Iogue Maharishi Mahesh e ele te ensinará uma técnica sem perguntar o porquê.” E ele foi, realmente.

Depois de três meses, voltou e disse: - “Deu-me uma sugestão e ela funcionou! Agora está tudo lindo, agora posso dormir.” Eu lhe disse: “Sempre que precisares e que sentires que dormir não é o suficiente, que o estar acordado é necessário, procura-me.” Tu podes dormir, mas que virá disso? Permanecerás o mesmo. Pela manhã estarás de novo no ambicioso movimento. Podes pensar que alguma coisa boa aconteceu, mas só uma coisa aconteceu: agora não terás consciência das causas, elas terão sido sepultadas em teu mais profundo inconsciente, pelo mantra, e a possibilidade de transformação foi adiada.

Não posso dar-te melhor sono. Gostaria de dar-te melhor despertar, melhor consciência.

Um político está constantemente desejando, lutando, competindo, tentando alcançar postos cada vez mais altos na hierarquia. Ao fim, nada conquista.

Mulla Nusradin trabalhou toda a sua vida na política e chegou ao mais alto posto possível. Então, eu lhe perguntei: - “Que conquistaste?” - Ele disse: - “Para ser franco, sou o maior escalador de degraus que há no mundo. Essa foi a minha conquista: escalar degraus.”

Mas mesmo que alcances o mais alto degrau da escada, que acontece? Teus presidentes e primeiros-ministros o alcançaram, são os maiores escaladores de degraus - mas escalar degraus não é vida. E continuar nisso, escalando degraus cada vez maiores, o que vem a ser?

A ambição cria a inquietação. Eu gostaria que entendesses tua ambição. O desejo cria inquietação. Eu gostaria que fosses consciente dos teus desejos. Essa é a maneira do Tantra. Pois, quando a causa desaparece, a doença desaparece. E, se a causa desaparece, tu estás transformado. A doença é apenas um sintoma - não tentes ocultar o sintoma. Deixa-o estar ali, isto é bom, porque vai te espicaçando, te atingindo e dizendo que algo está errado. Se não podes dormir, isso é bom, porque mostra que algo está errado no teu próprio estilo de vida.

Não vou ajudar-te a obter melhor sono. Direi: “Tenta entender, isso é um sintoma. Esse sintoma é amigo, não é um inimigo. Ele está simplesmente te mostrando que, bem lá no fundo, em teu inconsciente, há correntes subterrâneas que não te deixam dormir. Procura entendê-las, absorvê-las, passar através delas, transcendê-las - e então virá o sono profundo. Não por teres forçado o sintoma subterrâneo, mas porque a doença desapareceu. E nesse “adormecimento” uma qualidade de consciência, totalmente diferente, surge. Então podes estar profundamente adormecido e, ainda assim, alerta. Não é, portanto hipnose, não é um estado parecido ao da embriaguez, não é o que se sente através de uma droga - mesmo muito sutil, mas ainda assim uma droga. Não te faças um viciado em drogas.”

Diz Tilopa:

A prática do mantra e da paramita, a instrução em sutras e preceitos, o ensino das escolas e das escrituras não levam à percepção da Verdade Inata.

Paramita é uma palavra budista que significa compaixão, servir ao próximo. Tudo o que os missionários cristãos estão fazendo pelo mundo é paramita. Serve! Ajuda! Solidariza-te! Tem compaixão! Mas Tilopa diz que só isso também de nada adianta.

Observei, também - e conheço muitas pessoas que são reformadores sociais, grandes servidores da sociedade - que essas pessoas devotaram toda a sua vida sacrificando-se pelo progresso da sociedade, mas sem que nelas próprias tenha havido uma transformação. E não poderia acontecer de outra forma porque servir ao povo, servir à sociedade, torna-se uma ocupação, de forma que elas se tornam ocupadas.

Se, de repente, por um milagre divino, a sociedade é transformada, e não existe mais mendigos para serem servidos, pobres para serem socorridos, nem pessoas doentes, nem hospitais, nem loucos - se isso acontecesse subitamente, podes imaginar o que aconteceria aos teus grandes servidores da sociedade? Suicidar-se-iam. Não havendo ninguém para servir, que fariam? Estariam perdidos. Que aconteceria aos missionários cristãos? Se não houvesse ninguém para converter, forçar, dirigir, atrair para o seu caminho, se todos se tornassem cristãos, que fariam eles? Para onde iriam com suas grandes missões? Teriam de suicidar-se. Se a revolução realmente acontecesse, qual seria o destino de nossos revolucionários? Que fariam eles? Subitamente despojados de sua tarefa, desempregados, começariam a pedir a Deus: “Traze de volta a antiga sociedade, precisamos de leprosos para servir, precisamos de mendigos para ajudar.”

Tu podes ocupar-te ou com teu próprio negócio, ou com outras pessoas, mas a mente sempre precisa de ocupação. A mente precisa que te esqueças de ti mesmo e te ocupes com alguma coisa. Isso é uma fuga à Verdade Inata. É Tilopa quem o diz.

O Tantra tem uma coisa muito bela para dizer-te, que é: primeiro, antes que comeces a servir seja a quem for, sê absolutamente egoísta. Como podes servir alguém a não ser que tenhas alcançado primeiro teu ser interior? Sê absolutamente egoísta! Se tua luz interna está ardendo tu tens possibilidade de ajudar outros - de outra forma teu serviço será um mal. E o mundo está mergulhado em tanto mal por causa da quantidade de revolucionários, de reformadores sociais, de servidores autonomeados. Eles criam o mal, eles criam o caos, e isso é natural porque ainda não alcançaram sua própria verdade e já se puseram a ajudar os outros. Se tens a luz interior, podes partilhar essa luz com outrem, mas se não a tens, como podes partilhá-la? Como podes partilhar o que não possuis?

Um homem procurou Buda - devia ser um grande revolucionário, como Marcuseou outros - e perguntou-lhe: - “Dize-me: como posso servir a outrem? Tenho em mim profunda compaixão e gostaria de fazer toda a gente feliz.” Buda olhou para ele e, ao que se conta, ficou triste. O homem disse então: - “Por que ficaste triste?” - Buda respondeu: - “O que desejas é difícil, porque tu mesmo não pareces feliz e, contudo, queres ter, como missão, o fazer a toda a gente feliz. Como podes partilhar aquilo que não possuis?”

Primeiro, sejas, e desde que sejas, já não se tratará de ter uma missão. Desde que estejas jubiloso já não terás de sair de teu caminho para ajudar os outros - teu próprio ser é um auxílio, onde quer que estejas e tu não fazes disso uma profissão. Da forma que fores, onde quer que estiveres, ajudas. Se te sentares junto de uma árvore, ajuda a árvore. Não conscientemente, não com qualquer esforço da tua parte, mas só por estares perto da árvore a estarás ajudando e ela então florescerá em ti - tu acordaste a árvoe. Algum dia aquela árvore se tornará um buda e tu terás tido parte nisso, tu participaste. E quando a árvore se tornar um Buda e todo o universo comemorar isso, tu também comemorarás - deste parte de ti à árvore, partilhaste.

Senta-te junto a um rio e partilha do teu ser com ele; move-te para que cada movimento teu torne-se a tua compaixão - nada há a fazer. Se fazes, algo está errado. Como podes fazer o que é amor? O amor não é um ato, é um estado de ser. Tu amas, tu tens a luz, tuas portas estão abertas, quem quer que deseje entrar no santuário interior de teu ser, está convidado a fazê-lo. E quem quer que acenda sua própria luz na tua fonte de luz, encontra-te pronto para isso.

Nunca procures alguém a quem ajudar. Quando o fizeres, uma coisa é certa, não és a pessoa indicada. Quando começas a fazer alguma coisa, uma coisa é certa, estás criando o mal. Estás unicamente metendo o nariz em negócios alheios. Deixa que sejam eles mesmos. Já será bastante compaixão da tua parte o não perturbá-los. Não tentes modificá-los. Não sabes o que está fazendo.

Só o Iluminado pode ajudar: o auxílio flui, espontaneamente. Como uma flor que desabrocha, o vento toma-lhe a fragrância e a espalha por sobre toda a terra. Isso é muito sutil e indireto, jamais atinge alguém diretamente. Um Mestre verdadeiro jamais tenta modificar alguém diretamente. Ele é uma fragrância sutil, envolve-te.

Se estiveres aberto, um pequeno sopro entrará em ti. Se não estiveres aberto, ele esperará à porta, sem sequer bater; do contrário poderá perturbar teu sono. Trata-se do teu sono, tens o direito de dormir o quanto desejares; não compete a ninguém acordar-te.

Eu posso ter acordado; eu posso, como tu, estar para ser acordado; mas isso é uma coisa minha, não tua. Se estás bem adormecido, sonhando lindos sonhos, quem sou eu para perturbar-te? Esperarei. Com um aroma vou rodear-te. Se esse aroma chegar até ti, se esse aroma te despertar, ótimo. Mas não se trata de um esforço direto; é algo muito, muito indireto. E, lembra-te sempre: só as pessoas que são absolutamente indiretas podem ser de algum auxílio. O auxílio direto é para políticos, o auxílio indireto é para os sábios.

A instrução em sutras e preceitos, e o ensino das escolas e das escrituras não levam à percepção da Verdade Inata.

Por quê? Porque ela já ali está. Não precisa ser trazida. Estás procurando algo que já tens dentro de ti, em sua total beleza e perfeição. Nada tem de ser feito. Agir é absolutamente impróprio. Só tens de voltar ao lar. O hóspede já ali está, mas o anfitrião está fora - tu não estás dentro. Com os teus desejos o que fazes é afastar-te cada vez mais. Gostarias de ter uma bela casa e um belo automóvel e mais isto e mais aquilo, e estás te afastando, estás te afastando. Não tens tempo para voltar ao lar.

A meditação nada mais é do que o retorno ao lar, só para descansar um pouco, lá dentro. Não é o cantarolar do mantra, não é sequer uma oração. É apenas a volta ao lar e a tomada de um pequeno repouso. Não ir a parte alguma é meditação, só o estar onde está é meditação. Não há outro “onde” - só o estar onde estás, apenas ocupando o espaço onde estás. O desejo te leva a longas viagens, no tempo e no espaço - o desejo nunca te leva ao lar que é teu; está sempre a levar-te para algum outro lugar.

Porque, se a mente, quando tomada por algum desejo, procura encontrar um objetivo, apenas oculta a Luz.

Por isso estás perdendo - por estares fora estás perdendo, procurando estás perdendo, investigando estás perdendo, tentando alcançar estás perdendo. Nada é necessário da tua parte - o Divino te deu tudo quanto de pode ser dado. Não somos mandados ao mundo como mendigos, mas como imperadores. Olha um pouco para dentro. Por alguns momentos não vás a parte alguma, nada desejes, não penses no futuro, não penses no passado, fica apenas aqui e agora e, de repente, lá está - sempre esteve - e tu começas a rir.

Quando perguntaram a Lin-Chi o que fez quando alcançou a Iluminação, qual a primeira coisa que fez, ele disse: - “Como poderia fazer? Sorri, e pedi uma xícara de chá. Sorri! Que estivera eu a fazer, procurando algo que ali já estava?” Todos os Budas têm rido e todos os Budas têm pedido uma xícara de chá. Que outra coisa deve ser feita? Estiveram correndo desnecessariamente, por aqui e por ali; cansados, voltaram ao lar. Uma xícara de chá, é, exatamente, a coisa certa.

Porque, se a mente, quando tomada de algum desejo, procura encontrar um objetivo, apenas oculta a Luz.

Tua procura cria fumaça em torno da chama. Corres e corres, em muitas voltas, levanta muita poeira, crias muita fumaça e é o teu próprio esforço que levanta a poeira e cria a fumaça, escondendo a chama. Descansa um pouco, deixa a poeira assentar sobre a terra. Se não correres depressa demais, se não estiveres apressado, não criarás fumaça. Aos poucos, as coisas se aquietam e a luz interior é revelada.

Essa é a coisa mais fundamental no Tantra, a que diz que já és perfeito. Nenhuma outra visão diz isso. Elas dizem que tens de alcançar a perfeição, dizem que tens de seguir, lutar, fazer muitas coisas e que a trilha é árdua. Muito raramente alguém alcança a meta, porque ela está muito, muito distante. Durante milhões de vidas a pessoa tem de tentar e, então, consegue. A perfeição tem de ser alcançada. Tantra diz que é por isso que não a alcanças. A perfeição não precisa ser alcançada. É preciso somente perceber que ela aí está.

Tantra oferece-te a Iluminação aqui e agora - não é preciso tempo, não é preciso adiamento. Tantra diz que se repousas, só esse repouso ajuda, pois com a tua inquietação estás criando fumaça em toda a tua volta e estás de tal forma apressado que não consegues ouvir. Se alguém diz: - “Repousa”, responderás - “Não tenho tempo para repousar. Preciso atingir as meta e ela está muito distante. Se repousar, perco-a.” Tantra diz que se o perdes é porque estás correndo. Tantra diz que a perdes por estar tão apressado.

Aquele que observa os preceitos tântricos, ainda discrimina, trai o espírito de samaya. Cessa toda a atividade, abandona todos os desejos, deixa que os pensamentos subam e desçam, coisa que eles farão como as ondas no oceano.

Aquele que nunca prejudica o não-perdurável, nem o princípio da não-distinção, defende os preceitos tântricos.

Muito. Muito simples. Mas tu és demasiadamente complicado, tu estás muito conturbado interiormente, pois, se assim não fosse, seria muito, muito fácil.

Cessa toda a atividade, abandona todos os desejos, deixa que os pensamentos subam e desçam, coisa que eles farão como as ondas no oceano.

Como fazê-lo? Se fores até o oceano, senta-te, simplesmente, na praia e fica a olhar. As ondas sobem e descem, vem a maré, há um fluxo e um refluxo, o oceano passa por muitos aspectos. E que fazes? Simplesmente fica sentado e observas. O mesmo se dá em relação à mente. Ela também se parece a um oceano: as ondas sobem e descem, às vezes há um fluxo e muita turbulência, outras vezes há um refluxo e tu te sentes um tanto silencioso.

E este é o caso, realmente: a consciência integral é como o oceano. E tua mente não é apenas tua: tua mente é parte da mente coletiva. Em torno de ti há um oceano de consciência. Tal como os peixes no oceano, somos peixes na consciência - dentro e fora, deste lado e daquele, acima e abaixo, ali está o oceano, ali estão as ondas do oceano. Quem és para perturbares isso? Quem és para fazer com que isso se torne quieto e silencioso? Como podes fazê-lo?

Assim, sempre que uma pessoa se torna interessada demais e ansiosa por acalmar a mente, cria muitas perturbações para si própria. Pois isso não é possível! E quando tentas algo impossível ficas frustrado. Pensas, então, em mil e uma causas que impedem de acontecer o que desejas. O simples fato é que não pode acontecer! Tantra diz: Observa! Não é da tua conta que os pensamentos subam e desçam. Eles vêm por sua própria iniciativa e vão por sua própria iniciativa. Por que te envolves com eles? Quem és para acalmá-los? Eles não te pertencem, pertencem ao vasto oceano que te rodeia. Tu ali não estás, eles é que estão. Um dia tu não mais existirás, mas eles permanecerão.

Agora a Ciência concorda com isso: cada pensamento é uma onda. É por isso que um rádio emite pensamentos. Eles passam através das paredes, das colinas, dos nossos corpos, nada os impede de passar. Algo que é emitido em Nova Yorque tu ouves aqui. Atualmente, os cientistas investigam a possibilidade de podermos captar pensamentos do passado, já que os pensamentos nunca morrem. Será possível, algum dia, captar Tilopa dizendo a Naropa: - “Por tua causa, por causa da tua confiança, eu direi aquilo que não pode ser dito.” Isso será possível, porque os pensamentos nunca morrem. Aquele pensamento de Tilopa deve estar algures, junto a uma estrela. Se pudermos captá-lo - e a ciência poderá consegui-lo algum dia, pois quando, de Nova Iorque, um pensamento é emitido, leva algum tempo para chegar a Poona e continua viajando até que, em alguns milhões de anos, alcança uma estrela -, se pudermos captá-lo, poderemos novamente ouvi-lo.

Os pensamentos são um oceano em torno de nós; existem independentemente de nós - sejamos apenas testemunhas. Por isso, tantra diz:

Aceita-os!

A maré alta vem, é bela; a maré baixa vem, é bela. Grandes e fortes ondas tentam alcançar o céu; tremenda energia - observa! Então vem um oceano calmo, tranqüilo, e a lua nele se reflete, bela - observa. E, para observares, terás de permanecer inteiramente silencioso.

Os pensamentos podem continuar a vir à praia, batendo-se contra as rochas, mas tu permanecerás calmo e quieto, eles não te afetarão.

Assim, o verdadeiro problema não está nos pensamentos, mas em ser afetado por eles. Não lutes contra os pensamentos, torna-te simplesmente uma testemunha e não serás afetado. Esse é um silêncio mais rico; lembra-te que Tantra prefere sempre as mais ricas experiências. É possível criar um silêncio mortal, o silêncio que encontras num cemitério. Podes forçar tanto a tua mente que todo o teu sistema nervoso se torna paralisado. Então não haverá pensamentos, porque um sistema nervoso muito delicado é necessário para recebê-los. O oceano ali estará, mas tu não serás receptivo, tua receptividade perdeu-se.

Isso é o que está acontecendo com muitos iogues - os chamados iogues. Eles insistem em embotar seu sistema nervoso. Comem menos, de forma que energia nenhuma vai ter ao cérebro. No jejum, a energia não pode ir para o cérebro, o corpo necessita dela em primeiro lugar. Vivem eles de tal maneira que, aos poucos, todo o seu sistema cerebral se torna paralisado, obtuso. Sentam-se numa só postura, monótona, repetem um mantra, monótono. Se durante alguns anos alguém repetir continuamente um mantra, é natural que o sistema nervoso se torne inerte, pois na ausência de novas sensações a vitalidade se perde.

Na verdade, tal homem não se tornou silencioso - tal homem tornou-se mais estúpido. E terá um olhar estúpido, que é o que existe nos rostos de muitos e muitos iogues. Não verás neles inteligência, verás algo inerte, morto, petrificado. Esses iogues não chegaram ao silêncio - apenas perderam seus cérebros, anularam-se completamente, morreram. Nada acontece no seu interior, porque nada pode acontecer sem um delicado sistema nervoso - muito delicado, muito receptivo, sensível.

Assim, este deveria ser o critério: se vires no rosto de um iogue algo radiante, inteligência, percepção, sensibilidade - como se alguma coisa houvesse florescido dentro dele - esse iogue realizou-se. Só então aconteceu o silêncio. Do contrário, alguém pode estar silencioso - as pessoas estúpidas são silenciosas, os idiotas são perfeitamente silenciosos - porque não podem pensar - mas que tipo de silêncio é esse?

Um idiota não é um iogue. Um idiota simplesmente nasceu de tal forma que o seu sistema cerebral não está funcionando. Podes fazer o mesmo com teu próprio cérebro, jejuando, praticando posturas iogues, ficando de cabeça para baixo durante horas. Nesse sentido, shirshasan é perfeito: ficas de cabeça para baixo durante horas e assim matas teu sistema nervoso, porque teu cérebro existe apenas se, a cada minuto, recebe a quantidade certa de energia e sangue, uma vez que os nervos são muito delicados, pequenos e frágeis. Sequer podem ser vistos a olho nu. Teu cabelo parece muito fino mas não é. Se colocares dez mil nervos um sobre o outro, só então atingirão a grossura de um frio de cabelo. Assim, se o sangue corre depressa, ele os destrói; como uma inundação.

O homem desenvolveu seu cérebro, coisa que nenhum animal o fez, porque o homem ergue-se sobre os pés. Devido a isso é que menos sangue pode subir à cabeça; isso é contra a gravitação. A gravitação orienta o sangue para baixo e é por isso que só uma pequena parcela de sangue atinge a cabeça a cada momento. De outra forma aquele sistema sutil não poderia existir. Os animais não o podem ter porque andam sobre as quatro patas e seus cérebros ficam no mesmo nível de seus corpos. Se ficares de cabeça para baixo, fazes o shirshasam. Por um só minuto isso pode ser bom, ou mesmo por um só segundo isso pode ser bom, já que apenas age como um banho. O sangue apenas alcança o ponto e já desce, porque voltas à tua posição normal: ele limpa. Mas se fazes o shirshasam durante vários minutos seguidos, ou durante horas seguidas, isso matará todo o teu sistema cerebral. O fluxo é grande demais, o cérebro não pode resistir.

Os iogues encontraram muitas formas de destruir o cérebro. Desde que ele está destruído tu não podes ver o oceano - mas o oceano existe, os pensamentos existem. É como se o teu rádio-receptor estivesse quebrado. Não pense que as transmissões não estão passando pela sala, porque estão. É o teu mecanismo receptor que não está funcionando. Conserta o rádio, liga-o - e imediatamente ele começará a captá-las.

O cérebro é exatamente igual a um centro receptor. Se o destróis ele fica silencioso, mas aquele não é o silêncio do Tantra. E eu não ensino esse silêncio - ele é como a morte. Não vais a parte alguma através dele - estás é desperdiçando a tua vida. E um instrumento muito sutil, que te pode fazer perfeitamente inteligente, um instrumento que pode ser tão perceptivo a ponto de te permitir festejar toda a celebração da existência, tu o destruíste.

Mais sensitividade é necessária, mais poesia é necessária. Mais vida, mais beleza, tudo mais é necessário.

Que farás, então? Procura o silêncio tântrico. Observa as ondas: quanto mais as observares mais poderás apreciar-lhes a beleza. Enquanto as observa, as mais sutis nuances do pensamento te serão reveladas. Isso é belo - mas tu permaneces como testemunha, tu permaneces na praia. Tu estás apenas sentado na praia, ou deitado ao sol, deixando que o oceano faça seu próprio trabalho - não interferes nele.

Se não interferires, o oceano, pouco a pouco, não interferirá contigo. Ele continuará bramindo em toda a volta, mas não te penetrará. É belo em si mesmo, mas está separado; uma distância existe. Essa distância é a meditação verdadeira, o verdadeiro silêncio.

O mundo caminha e caminha, tu não és afetado, tu permaneces no mundo, mas não está no mundo. Tu permaneces no mundo, mas o mundo não está em ti. Tu passas através do mundo, intocado, sem medo. Permaneces virgem. Faças o que fizeres, aconteça o que te acontecer, isso não fará diferença.

Tua virgindade conserva-se perfeita, tua inocência conserva-se absoluta, tua pureza não é destruída. Aquele que observa os preceitos tântricos, ainda discrimina, trai o espírito de samaya.

Tilopa diz que se estás tentando manter o caminho tântrico, os preceitos tântricos, então deves lembrar: não discrimines. Se discriminares poderás ser um filósofo mas não um seguidor tântrico. Não discrimines. Não digas que isto é bom e aquilo é mau. Abandona toda a discriminação. Aceita tudo tal como é.

Cessa toda a atividade, abandona todos os desejos, Descansa em ti mesmo, volta ao lar; Deixa que os pensamentos subam e desçam, O que eles farão, como as ondas no oceano.

Aquele que nunca prejudica o não-perdurável, Nem o princípio da não-distinção, sustenta os preceitos tântricos.

Quem nunca prejudica o princípio da não-distinção, quem nunca discrimina segue o caminho certo.

E... quem nunca prejudica o não-perdurável.

Esta é uma das mais belas coisas no Tantra. Tantra diz que te conserves sem lar, que não mores em parte alguma, que não te identifiques, que não te agarres a nada. Conserva-te sem lar porque na carência de lar encontrarás teu lar verdadeiro. Se começares a morar aqui e ali, perderás o lar. Não te agarres a ninguém, a nada, a nenhum relacionamento. Aprecia, mas não te agarres. O apreciar não constitui um problema desde que não comeces a agarrar-te; assim que a mente apegada entra em cena, já não estás fluindo e então vem o bloqueio. Não habites onde quer que seja e habitarás em ti próprio. Não te apegues a nada e só então poderás repousar em ti próprio.

Assim, dois princípios são básicos: não prejudiques o princípio do não-perdurável e não prejudiques o princípio da não-distinção.

O que abandona o desejo insaciável. E não se prende a isto nem àquilo. Percebe o significado real dado nas escrituras.

Através das escrituras não podes chegar à Verdade. Mas se chegares à Verdade, entenderás as escrituras. As escrituras não passam de testemunhas, elas dão testemunho. Não podes aprender a Verdade através delas, mas desde que conheças a Verdade, elas te darão testemunho. Todas as escrituras do mundo dirão: “Sim, tu alcançaste.” Isso é que é a Verdade. As escrituras vêm de pessoas que alcançaram. Seja qual for sua linguagem e simbologia, sejam quais forem suas metáforas, desde que alcances, penetras através de todas as metáforas, de todas as simbologias, de todas as linguagens.

As pessoas me perguntam: - “Que fazes aqui? Às vezes falas de Tantra e Tilopa, às vezes falas de Ioga e Patanjali, outras vezes de Lao-Tsé e Chuang-Tsé, dos taoístas e do Tao e, ainda em outras vezes, saltas para Heráclito e Jesus: que fazes aqui?” - Estou falando sobre a mesma coisa. Não estou falando sobre nenhuma outra coisa. Heráclito ou Tilopa, Buda ou Jesus, não há diferença para mim. Eu próprio estou falando. Eles são apenas justificativas - pois, uma vez que alcances, realizas todas as escrituras do mundo. Então, não há mais escritura hindu, escritura judaica, escritura cristã. Tu te tornas o apogeu de todas as escrituras.

Sou cristão, hindu, muçulmano, porque não sou nenhum. E a Verdade, uma vez conhecida, está para além de todas as escrituras. Todas as escrituras apontam para ela, as escrituras não são mais do que dedos apontando para a lua; os dedos podem ser milhões - a lua é a mesma. Desde que sabes isso, sabes tudo.

Através das escrituras tu te tornarás um sectário: será cristão porque te agarras à Bíblia, serás muçulmano porque te agarras ao Corão, serás hindu se te agarrares ao Gita - mas não serás religioso. A religiosidade existe apenas quando a Verdade aconteceu para ti. É quanto tu não te agarras a nada e todas as escrituras começam a agarrar-se a ti. É quanto tu não segues ninguém e todas as escrituras te seguem, tornam-se como tuas sombras. E todas as escrituras são o mesmo porque dizem a mesma coisa. Suas metáforas, assim como sua linguagem, são diferentes naturalmente, mas as experiências são as mesmas.

Buda diz: - “Onde quer que proves a água do mar, em toda a parte a encontrarás salgada.” - Prova-a no Corão, ou na Bíblia, ou no Tora, ou no Talmude, o gesto é sempre o mesmo. As escrituras não te podem conduzir. Na verdade, elas estão mortas sem ti. Quando alcançares a Verdade, a vida aparecerá, subitamente, em todas as escrituras. Através de ti elas tornam-se novamente vivas, através de ti elas renascem.

Isso é o que estou fazendo, dando renascimento a Tilopa. Ele esteve morto durante centenas de anos. Ninguém falou dele, ninguém o fez renascer. Podes encontrá-lo se fores capaz. Ele está novamente perto daqui. Se fores receptivo, sentirás seus passos. Ele tornou a materializar-se.

Através de mim ,eu farei nascer todas as escrituras. Através de mim elas podem novamente vir a este mundo. Eu posso tornar-me uma âncora. E é isso que estou fazendo. E é isso o que eu gostaria que fizesses em tua própria vida, algum dia.

Quando compreendes, quando chegas a saber, então traze toda a beleza do passado de volta e dá a esse passado o renascimento, renova-o, de forma que todos os que o conheceram possam estar de novo sobre a terra e viajar por aqui, e ajudar as pessoas.



Fonte: http://www.centrometamorfose.com.br/artigos/tantra_5_verdade-inata.htm

Imagens: google.com

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