quinta-feira, 7 de julho de 2011

● Transpondo o abismo





Blasie Pascal (1623-1662), foi genial matemático, físico, filósofo e escritor francês.

Convertido ao Cristianismo, quis escrever uma apologia de sua crença. A morte o levou antes que pudesse conclui-la. Mesmo incompleta, foi publicada. Sob singelo título – Pensamentos –, temos um repositório de sabedoria. Dono de um estilo sintético e elegante, o filósofo francês produziu autênticas pérolas literárias. Uma delas, talvez a mais famosa, destaca a essência de suas idéias:

O coração tem razões que a própria razão desconhece.

Sua concepção filosófica estava norteada pelo confronto entre esses dois elementos
básicos da personalidade humana: A razão, simbolizada pelo cérebro, que tende a privilegiar o palpável. O sentimento, representado pelo coração, que busca o inefável.

Crente fervoroso, convicto da continuidade da vida, além túmulo, afirmava:

De tal forma a imortalidade da alma nos diz respeito e toca-nos tão profundamente, que é preciso ter perdido todo sentimento para considerar esse problema com indiferença. Somos Espíritos, seres do Além.

A existência física é apenas um estágio, uma experiência compulsória nesta escola
correcional que é a Terra. Passamos muito mais tempo na pátria espiritual. É natural, portanto, que tenhamos o sentimento da imortalidade. Intuitivamente, sabemos que a vida continua.

Não morremos. Apenas nos transferimos para o além.

Como dizia Guimarães Rosa (1908-1967): ficamos encantados. O materialista é alguém que, intoxicado por esdrúxulas concepções, perde a sensibilidade para os valores espirituais e passa a negar a própria imortalidade, como hipotético bebê
pensante que se recusasse a crer em vida fora do útero materno.

Não obstante, Pascal também tinha dúvidas. Segundo uma lenda, via constantemente ao seu lado um abismo, símbolo da angústia causada por problemas de difícil solução, como, por exemplo, a salvação.

Ligou-se inicialmente ao janseanismo, que a atribui a uma escolha divina – Deus teria seus eleitos.

Pascal sentia-se incomodado. Essa concepção perpetra flagrante injustiça; uma arbitrariedade que ficaria bem aos soberanos despóticos da Terra, jamais ao Governador do Universo.

E a diversidade das condições humanas?

Como explicar o bom e o mau, o rico e o pobre, o virtuoso e o vicioso, culto e o ignorante, o gênio e o idiota?

Como aceitar que alguns sigam, tranqüilos, caminhos retos, enquanto outros se transviam facilmente, como se estivessem programados para o desatino? Ainda aqui, uma escolha divina? Deus tem preferência por alguns?

A outros pretere, negando-lhes condições mínimas para uma existência compatível com a dignidade humana?

Intelectual brilhante, Pascal não digeria essas incongruências. Há, realmente, um abismo, uma imensa perplexidade, quando confrontamos a decantada justiça do Céu com as injustiças da Terra.

Dois séculos mais tarde, em face de seus méritos, Pascal teria a honra de colaborar na codificação da Doutrina Espírita.

Mensagens suas foram publicadas em O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo e Revista Espírita.

Transposto outro abismo, aquele que separa a Terra do Além, Pascal revela ter superado inteiramente suas dúvidas, consciente de que Deus não tem preferências nem “preterências” – somos todos seus filhos.

Sob suas bênçãos, estamos todos a caminho da perfeição! Seremos um dia prepostos do Senhor, desfrutando da suprema felicidade de uma plena integração nos ritmos da harmonia universal!

E tanto mais depressa chegaremos lá, realizando os mais gloriosos sonhos de felicidade e paz, quanto maior o nosso empenho em superar o grande entrave de nossa evolução, no estágio em que nos encontramos: O egoísmo.

Esse sentimento desastroso, que nos leva a cuidar do próprio bem-estar e “o resto que se dane”, gera e sustenta quase todos os males humanos.

É o que ele nos diz na mensagem publicada em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XI, onde acentua: O egoísmo é a negação da caridade. Ora, sem a caridade não haverá descanso para a sociedade humana.

Digo mais: não haverá segurança. Com o egoísmo e o orgulho, que andam de mãos dadas,
a vida será sempre uma carreira em que vencerá o mais esperto, uma luta de interesses, em que se calcarão aos pés as mais santas afeições, em que nem sequer os sagrados laços da família merecerão respeito.

Já durante a existência física Pascal tinha percepção desse problema fundamental da Humanidade, tanto que afirma, taxativamente, em Pensamentos: O eu é odioso.




Palavras de: Richard Simonetti - (do Livro Luzes no Caminho)
Imagens: google.com





Nenhum comentário:

Postar um comentário